miércoles, octubre 15

Mãos que leem

“Pode parecer impressão minha, mas a cada dia as pessoas estão mais impacientes e isso é um tsunami para uma pessoa surdocega”, disse o são-luizense Alex Garcia, em longa entrevista de duas páginas, ilustrada pela genial caricatura de Lézio Júnior (transcrita aqui), no jornal “Diário da Região”, de São José do Rio Preto, no interior paulista. Nessa cidade, Alex fez recentemente mais uma de suas tantas palestras pelo Brasil afora. Aos 38 anos, ele medita sobre os muitos obstáculos que teve de driblar desde a infância, quando começou a conviver com a perda gradativa da audição e da visão, devido a uma doença rara popularmente conhecida como “Ossos de cristal”.
Hoje, Alex não ouve mais nada e a visão que lhe resta é uma sucessão de figuras difusas. No entanto, não se abala, acostumado com os sobressaltos que a vida lhe impôs e ainda mantendo ativa e na plenitude a sua melhor arma: uma voz forte e límpida como a de um tribuno romano no seu melhor momento, à frente de um microfone e diante de uma plateia imobilizada e extasiada com a força e determinação desse jovem que foi o primeiro surdocego a cursar uma universidade no Brasil.
O objetivo de Alex Garcia é continuar a ser uma das principais vozes na luta pelos direitos das pessoas com deficiência no País. Para isso, ele precisa se superar continuamente diante da perda gradativa da audição e visão. Por isso, hoje os seus ouvidos são as palmas das suas mãos. As pessoas que desejam conversar com ele se chegam e escrevem com letras de forma na palma da sua mão. É uma letra sobre a outra, dando uma pausa para a separação de palavras. Assim, formam-se frases que Alex aprendeu a captar rapidamente e a responder com a sonoridade de sua voz sempre clara e segura.
Esse é o sistema de comunicação adotado por Alex, para manter o colóquio com o mundo que o rodeia, com aqueles que lhe são caros, com os ouvintes que o cercam para se motivarem com suas palavras. Até pouco tempo atrás, ele apelava mais para um notebook com um potente ampliador de palavras, pois ainda conseguia ver as letras quando elas surgiam bem grandes na tela do micro, em meio a bastante contraste. No momento, essa tecnologia foi colocada um pouco de lado, desde que Alex sofreu uma crise ocular que lhe tirou o pouco de visão que ainda possuía. Otimista, acredita que vai recuperar a vista que tinha – e todos os que o conhecem e admiram torcem juntos.
O que vale dizer é que no momento as mãos que leem fazem um bem enorme, ao mesmo tempo em que aproximam Alex dos seus semelhantes, no cotidiano de constante luta. Ele afirma que “aprendi a lutar pelos meus direitos, mas a maioria dos surdocegos não tem essas oportunidades. Nós somos invisíveis. Invisíveis até para as políticas sociais. Já estive em mais de 30 países e ficou óbvio que o Brasil está mais de 150 anos atrasado no quesito educação. Esse quesito poderia ser de alto nível, mas falta vontade de fazer acontecer”.
Importa agora é saber que as mãos leem e fazem uma espécie de milagre pelo simples contato humano. Essa escrita singular na palma da mão nos diz que Alex Garcia continua em ação e a ajudar os outros deficientes. Ele reconhece que “por mais que tenhamos habilidades, nenhum ser humano é perfeito a ponto de não precisar de algum apoio”. E não deixa de botar o dedo na ferida: “Na sociedade de hoje, as pessoas estão cada vez mais distantes umas das outras. A distância tem efeitos negativos para qualquer pessoa com deficiência, mas para a pessoa surdocega, ela é bombástica”. Suas mãos que leem estão aí para evitar isso.
http://www.anoticia.com/colunas/newton-alvim/id/7726/maos-que-leem.html

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